: Escrevo não porque sei, mas por gosto e impulso... E assim escrevo errado mesmo...

(E o conteúdo deste blog que não consta fonte, é de minha autoria...)

sábado, 7 de março de 2015

08.03.2015 - Hoje é meu dia

Nesta data, mais um ano, vou usar palavras alheias... Escritas por uma Mulher (jovem) que admiro muito!
Um conhecido texto que lembrei por esses dias... Longo para o costume do Blog; mas vale a pena a leitura; produção de texto vencedora do 4º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, 2009, do CNPq.
 :
HOJE É O MEU DIA...

 Autor(a); Ketlin dos Santos Cerqueira

Manhã de oito de março de 2008, acorda Mulher, não se estica devidamente, pois, suas costas refletem o peso do dia anterior e o anterior... É sábado, suas forças devem estar revitalizadas para a feira, imagina antecipadamente todos os pepinos, batatas, tomates e tudo devidamente planejado para que o dinheiro possa comprar tudo e não falte nada, embora não cursara o ensino, administra com perfeição as contas que no momento só ela compreende... São sete horas, senão seis, se não cinco... Sei que és muito cedo... Levanta com disposição mediana, já é de costume o horário matinal... Lava o rosto e olha para o espelho, em frações de segundo pode ser que aquele olhar tenha a visto realmente, de repente volta aos seus pensamentos adicionando coentro e cebolinha á lista. 

Não tão parafraseado a manhã, sei que tudo é feito com ligeireza, parece que o tempo se esgota muito rapidamente, agora mesmo eram dez horas e estava terminado de lavar as roupas, hora jaz 11:30 e o feijão está no fogo quase cozido, mas quase, que fogão lento... Outrora já limpei a casa que estava um horror, lavei a louça e olha só essas crianças preguiçosas acabaram de acordar... 

“- Que dia é hoje”, pergunta-se atordoada, o pagamento de seu Zé é dia 10... Eis que um grita, “- é sábado”. “- Sei que é sábado” “- Mas então porque perguntou” “- quero saber a data não o nome do dia” “- Mas a senhora perguntou o dia e não a data”. E em meio ao vapor que saía como um apito da panela de pressão, calor fumegante das panelas e o derramamento quase timbaleiro da água torneiral que banhava o arroz no escoador... “- Cala menino, que diabos, só fica atormentando minha mente, não se pode mais perguntar nada que os filhos já respondem com ignorância, ô vida...” “- Mas mãe” “- Mas nada! Deixe-me quieta! Oh! A quiabada esta queimando! Ta vendo, fica tirando minha atenção, olha só no que deu. Oh! Minha quiabada...”. 

Ademais, como sempre chega á hora do almoço, dos filhos uma come em frente ao computador e os outros dois em frente á TV, um no chão e outro no sofá. Avistando pouco de longe da cozinha se vê a cena em câmera lenta: Os grãos de arroz parecem saltar sem direção dos pratos, a farinha em fumaça delicadamente parece transformar-se em poeira branca acinzentada encrostando o azulejo o sofá a mesinha e o teclado que acabara de passar vassoura, escova, cera e flanela... Visão deplorável...”- Venham comer aqui!”...”Mãe! É o GB esporte” “Eu! já vai! deixa eu baixar esse penúltimo download” “Eu nem digo, estou aqui quieto”... 

(...) Saem todos e novamente a casa se vê em harmonia com os sons ensurdecedores que já nem mais á de se escutar por ela, na verdade, em meio a tantos sons tudo parece mais uma vez tranqüilo. Mais uma vez vassoura, escova, cera e flanela... Mais uma vez... 

“Enfim acabei!” Embora ainda haja isso e aquilo que ela preferira fazer mais tarde... Toma um banho não muito demorado, passa cremes da AV... Um aqui outro aculá, esse é para isso, mas antes a máscara daquilo que vai influência no amaciamento da pele e naquilo outro... Perfumada e extremamente abatida, deita-se na cama por um instante na busca de um relaxamento e sente toda a dor, em cada parte, cada membro em particular que a fez vivaz executar seus compromissos e todas as obrigações que lhe impusera obrigatoriamente de manhã. 

Ouve-se da sala “Mulher!” “ô Mulher”. É o marido que enfim chega depois de passar três dias num Congresso, congresso esse, que provavelmente testou o efeito de coquetéis com álcool na elaboração contextual de suas teses. 

Entusiasmada e excitada pela voz vibrante que pronunciava o seu nome, Mulher levantou bruscamente e esqueceu-se da dolorosa pontada que lhe entrevara a costa, tratou de se ajeitar e passar a mão nos cabelos, estava linda... 
“Mulher” “Oi amor!” “Esquenta a comida” “Sim querido” entrando na cozinha põe as panelas para ferver logo conversando “Já voltou” “Não está me vendo aqui” “sim, mas pensei que chegaria mais tarde” “Mais tarde penso em concertar uma válvula do carro” “porque não deixa para amanhã, o Garcia abre domingo” “Mas já se viu, logo aquele trambiqueiro, foi ele mesmo quem quebrou o cabo de ...” “Ham?” “Deixa pra lá Mulher” “É que de noite pensei em fazermos algo” “Essa comida que não sai” “Já estou indo” “Então você vai consertar que horas” “Já falei que á noite e pra não me perturbar vou fazer isso lá no Garcia” “Mas você não disse que o Garcia era trambiqueiro?” “O que você quer Mulher, que irritação, já está me contrariando... Quer programar pra onde eu vou onde eu deixo de ir. Sabe de uma vou comer um hambúrguer” e correndo para frente da porta Mulher o parou “Amor, desculpe, desculpe, não foi minha intenção” “Como não, eu trabalho pra te dar tudo e é assim que me retribui?” “Desculpe querido” e inclinando-se para receber um caloroso beijo no fervor apaixonado de reconciliação... Viu o vento diante de seus olhos tropeçando no nada quase caindo... Seu marido já havia saído e sentara no sofá assistindo o jornal. Colocou a comida e levou para ele calmamente “E, essa quiabada está com cheiro de queimado” resmungou ele sem agradecer “Eu tirei a parte queimada, esta parte está boa” “Eu hein, estava de ovo virado, queimando tudo!” “Devia estar querido” “Esta sendo irônica??” “Irônica eu?” “Está sendo de novo!” 

Levantou num impulso avassalador e jogando o prato de vidro contra a parede extravasou em frases de baixo calão toda uma contrariedade inútil e desnecessária... Tentando se retratar do que era na concepção voraz e animalesca irretratável, Mulher estremeceu a voz quase falha “desculpa”. Nunca imaginara estar nesta terrível situação, seu príncipe havia se tornado um monstro e qual seria o cavaleiro defensor? Quem lhe salvaria das chamas do dragão? Estava só e desprotegida, tão frágil... Tão surpresa... Levantando a mão ele mencionava um golpe fatal, nem lhe era físico o tal, superficialmente sua carcaça poderia ser machucada, seu exterior marcado, sua vida tirada, todavia nada mais estava tão desmoralizado, destruído, machucado e marcado do que seu interior. Tudo isso lhe foi passado em segundos no arrepio que passou por todo o seu corpo antes da fatalidade... 

De madrugada, mal se mexia na cama, mal respirava, seria um suspiro motivo suficiente para mais uma surra? Seria o puxar a mais de uma coberta que ele lhe xingaria inescrupulosamente? Não sabia o que fazer, a sua dor física de extrema intensidade pedia para que dormisse logo, a sua dor sentimental e intelectual não a fez pregar os olhos, por mais que quisesse... 
Por mais que implorasse a Deus o seu consolo nos sonhos... 


Lembrou rapidamente do que lhe deram na feira, uma rosa vermelha, vermelha como o sangue que escorreu pelo ralo da pia minutos atrás, vermelha como sua visão embasada lhe mostrara a cortina...Vermelha como o batom que tinha posto nos lábios após o banho, vermelha como o tomate da feira... E lembrou das doces palavras do vendedor “Feliz dia das Mulheres, apesar de que todos os dias sejam os seus dias”. 

Lembrou da palestra que lhe parecia sem importância, falavam sobre a Lei Maria da Penha. Ela estava com pressa, mal deu ouvido, a feira estava infernal... 

Pôde ao comprar os tomates ouvir um pouquinho, “violência contra a mulher”. Irônico, pois repetiam assim o seu nome. “Isso é besteira, essas mulheres gostam de apanhar, apanham e nem denunciam” dizia á tomateira como assim todos a chamavam... Tomates verdes e muito mais lhe interessava os vermelhos, vermelhos... 

Noutro dia, ligou para o nº. 180 que sua amiga mais querida lhe indicou após emprestar-lhe uns óculos escuros... E todos os trâmites providenciados, e uma nova luta diária começou. Mulher hoje era muito mais forte, mais determinada, não tinha marido, porém havia dignidade para buscar um novo amor, não precisava de cavaleiro, já tinha sua espada, brilhante, afiada... 

Dia 8 de Março de 2014. É sábado, estava Mulher a ensinar a todas as mulheres numa palestra... Esbanjava veracidade tanto no olhar como nos gestos e na feição, exalava justiça, garra e perseverança. Disse como Mulher era fraca, como Mulher hoje está forte e como continua a batalhar por respeito entre ambos os sexos e igualdade de Gênero. Como houve épocas em que nem os filhos tiravam Mulher da cama, e como suas lágrimas inundaram os seres que á rodeavam e á compreendia, estando ela numa casa de proteção. Tendo lembrado de outros que não á compreendiam nem á entendiam, pois viviam em suas “casas protegidas”... Como Mulher supera cada degrau a cada dia... Como a paciência não era virtude se Mulher fosse esperar que as violações passassem com o tempo... Como o tempo revelou a mulher guerreira que havia dentro da própria Mulher...

Mulher palestrou, todos estão orgulhosos, não precisou colocar maquilagem em excesso, não dispensou um batom rosa, Mulher estava linda! Entregou rosas brancas no auditório... Ao final de sua palestra é aplaudida de pé. Mulher sempre mostrou com o tempo sua evolução. Mulher se revitalizou, se mostrou atenta aos preceitos, aos conceitos e aos preconceitos seus e de outros. Mulher valorizou-se, vigorou-se, fortaleceu-se, surpreendeu a multidão... 

Algumas mulheres ainda no impacto de tantas conquistas reveladas no evento, tiveram receio em apoiar, de aplaudir, “seria aquela evolução toda uma afronta ao que sempre aprendeu?” retrucaram umas, outras se identificaram de tal maneira que até hoje não cansaram de dar congratulações a Mulher. E até hoje, mesmo que em alguns lugares mulher ainda seja vaiada, em cada vês mais lugares e situações permanece ovacionada... 

Num sonho que pareceu tão real, pensara ter encontrado um pergaminho escrito por divindade... Havia muitas frases das quais não mais lembrara, logo que acordou, tratou de escrever o versículo que lembrou...

“- Estar-se-á salva com o escudo de tuas próprias convicções e manejará a espada do intelecto em prol da destruição dos teus dragões”.

Aliviada e relaxada, acordou em um outro dia qualquer que deveras eu, não ter conhecimento, pois, nesse, mulher não olhou o calendário... Espreguiçou-se devidamente, ás 7:00 da manhã, levantou, olhou no espelho em que sua face radiava e embora seu reflexo suspirava também uma guerreira marcada de cicatrizes das muitas lutas; com muita coragem sorriu e disse:
“- Hoje é o meu dia!“.


(Com autorização da autora)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Hum! Vai comentar!
Só vou saber quem você é, se colocar seu nome.
Agradecida!